Algum acordo
Era nobre como ouro
e com ouro se vestia.
Éramos ambos
amo e dominado.
Asas tínhamos:
ele anjo e eu mosquito.
Amantes, sou desnecessário
fora dele.
Febris, doentes, vampiros
a luz do sol nos abatia.
Suados, cegos pela casa,
ele é mais belo do que eu.
Se me tem a ferros
quando quero fugir
empunho o punhal
sou assassino.
Desfigurado - sem ninguém
saber quem sou
Escondo-me nas trevas
(acho que esbarro em alguém).
Ao chocar nossas faces
queria comer, beber,
chego a sonhar com
a impermeabilidade do seu corpo.
Brigamos usando nossas
partes vertebrais;
em meu turno, eu durmo
concordando com a noite.
Dói, meu joelho machucado
não quer sarar
nem meu ombro quebrado
em outra encarnação.
A dor que vai além disso.
A culpa do não sei o quê.
Suas asas se desprendem
do seu corpo, na cama.
O corpo esculpido, desmaiado
sobre o meu, salgado. Recuso
os movimentos. Imóvel, não
quero acordá-lo.
Amo-o.
Poesia escrita em algum dia de 1988. Algum papel velho, portanto.