segunda-feira, 7 de janeiro de 2008


Sobre homens de verdade

Há dez anos atrás eu era um recém formado em Eletrotécnica, e pensava até ter vocação para o ofício, queria ganhar a vida assim. Fui convidado por um amigo a trabalhar na reforma da agência dos Correios de Araraquara. O Salário seria de R$20,00 por dia, na época era uma boa paga. Além do salário, eu dormiria no canteiro de obras e comeria da mesma comida dos outros peões, o que me faria viver de segunda a sexta-feira GRATUITAMENTE, isso era de grande valia para mim. Toda sexta-feira eu voltaria para Franca e sairíamos segunda-feira, pela manhã. Um bom serviço.

Nessas obras o que sempre prevalece são as empreiteiras, chegando lá me deparei com o seguinte cenário: um canteiro de obras e muitos homens enormes e rudes, os famosos “peões-de-trecho”, são aqueles que deixam as suas famílias e que aqui, sozinhos, tentam a sorte com seus “bons salários”, serviço pesado, vida pesada. São pessoas atiradas para fora da vida, e que conservam de sua vida difícil em sua terra natal apenas a pele áspera e morena (meu padrinho era pedreiro, conhecia bem aquela cor de homens pintados pelo sol; encontrava a mesma cor em minha mãe ) e o olhar triste, às vezes mal. Meu padrinho era pedreiro, conhecia bem aquela cor de homens pintados pelo sol; encontrava a mesma cor em minha mãe, ela lavava roupas ao sol. Eram homens duros de compleição forte, sem família.

Em meu primeiro dia naquela obra, em meio àquelas pessoas completamente diferentes de mim, pensei que deveria ser apenas aquilo que já era, minha vida não se assemelhava à vida daqueles outros tantos homens dali, apenas nosso presente era comum, nosso passado nos distinguia bastante. Eu não era nem parecido com eles, e eles notaram. Apesar das diferenças, gostei daquelas pessoas no instante em pus meus olhos sobre elas. Era àquele lugar que gostaria de pertencer, queria ser como eles, parecidos que criados no hades e transmutados para um clima tropical, ou seja, completamente adaptados ao calor. Durante o almoço, minha primeira diferença dos demais se anunciou, como meu passado me permitia, não comia carnes, era uma crença de natureza praticamente religiosa, o cozinheiro era capaz de entender isso melhor que eu próprio, a natureza religiosa da minha diferença imprimia nela um sentido de beleza que eles conseguiam notar, eu estava disposto a comer apenas arroz e feijão, nunca gostei muito de sacrificar cotidianos de outrem, informei ao cozinheiro que não comia carnes, ele foi até a cozinha e, sem me dizer palavra, fritou alguns quiabos. Aquilo me impressionou muito, aquele zelo era de uma singeleza que provavelmente eu entendesse melhor que eles, um cozinheiro enorme que é capaz de arrumar uma alternativa para um eletricista metidinho. Devia ter chorado.

Eles me tratavam também de uma maneira especial porque eu tinha o hábito de ler antes de dormir. Lia naquela ocasião o livro Uma Breve História do Tempo. Eles assistiam a novelas. O ato de assistir novelas era um evento social, até. Durante a noite se reuniam todos, inclusive o mestre-de-obras, e assistiam com enorme prazer e faziam comentários acalorados. Os temas versavam principalmente sobra a beleza de uma ou de outra atriz. Lembro-me de uma vez o mestre de obras ter conduzido a conversa para o tema livros, quando me contou que também gostava de ler. Ele me respeitava por isso, e nem sabiam que livro eu lia. Talvez eu fosse o que eles queriam para seus filhos.





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