sábado, 5 de janeiro de 2008


Uma buceta e um guaraná

Eu me lembro de que, quando era criança, juntava dinheiro com mais dois colegas e íamos a um boteco que tinha em frente à escola e pedíamos “um guaraná”. O dono do boteco pegava uma garrafa de refrigerante de 600ml mais três copos, e entregava para a gente. A garrafa rendia exatamente 4 copos, ou seja, cada dia um de nós tomava dois copos, esse rodízio nunca rendeu nenhuma discussão.

Mais tarde, fiquei sabendo que “guaraná” era um sabor. Fiquei sabendo também que eu deveria pedir um “refrigerante”, por ser mais correto. Nunca mais pedi o meu guaraná; tenho pedido religiosamente pelo meu “refrigerante” desde então.

Lembro também de que, numa ocasião, na quarta série, alguém escreveu na carteira da sala de aula a seguinte frase: “BUCETA CABELUDA DA ANA MARTA!”. Minha professora então manteve os meninos na sala por um tempo, depois que as meninas haviam saído. Ela então explicou para a gente que “buceta” não era o que a gente estava pensando, e fez com que a gente procurasse num dicionário a palavra “boceta”. O dicionário nos mostrou que boceta era uma caixinha pequena, para guardar pequenos objetos. E mesmo vendo alguma relação, hoje, entre o significado que a gente atribuía à palavra e o significado que ela nos pregava, a verdade é que, na época, eu passei a usar para nomear a buceta, a palavra que ela havia ensinado: vagina.

Não há problema nenhum em dizer em público, na maioria das ocasiões, a palavra “vagina”, ou “pênis”, tudo faz parte da maneira correta de se nomear as coisas: ser exato, preciso, científico. Assim como eu esqueci de como se pede com naturalidade um guaraná, não sei mais dizer buceta, cu, pinto, pau. Por isso, sou tão calado quando faço sexo, não pronuncio palavras, apenas gemidos que surgem naturais. É o mais espontâneo que consigo ser durante uma “trepada”.

Se eu for inquirido, durante o ato sexual, eu posso chamar de “minha putinha”, ou mesmo “puta”, posso dizer que “estou fodendo” ou ou que estou “enfiando”, mas a verdade é que eu prefiro não dizer nada, apenas gemer – o que, de certa maneira, me afasta mais dos seres humanos e me aproxima dos animais, ou seja, as pessoas menos adestradas que eu são menos animalescas, também. Se eu puder, eu não digo nada, demonstro com unhas, dedos, suspiros...

Mas, se eu pudesse mesmo, nunca escolheria ficar naquela sala de aula, onde aprendi o nome da vagina ou do refrigerante.





3 comentários:

Sósi disse...

Eu fico impressionada como os acontecimentos da infância se tornam tão importantes no decorrer da vida. Entranham tão profundamente que mesmo nos esforçando muito, não saem e influenciam de forma tão significativa.

Unknown disse...

Penso que as pessoas se assemelham mais ao animais quando dizem "palavras feias", ou quando usam do abstrato para se referirem á algo que pode ser dito especificadamente. Educação, respeito, coisas que ao meu ver são naturais aos seres humanos estão se tornando "potes de ouro ao fim do arco-íris". Suas palavras e escritos me confirmam a idéia que aprendizados "insiguinificantes" são o que nos tornam pessoas diferentes e melhores. Infância e educação andam de mãos dadas.

Anônimo disse...

Os teus textos bem melhores, como 'Criatura' ou 'Mundos Piores', não recebem comentário algum. É engraçado perceber que todos aqueles que parecem falar em sexo, ou que falam mesmo, sempre reverberam. É risível comentar aqui também e produzir mais eco. Blogs...